Eu NÃO SOU do tempo da "PHARMÁCIA" com PH.... Mas tudo que se relaciona com Pharmácias e Drogarias Antigas me interessam e muito. Nasci numa família literalmente farmacêutica: Meu bisavô materno foi o primeiro farmacêutico da minha cidade natal e depois os filhos e os netos seguiram seu legado. Até meu pai que sempre foi um grande comerciante de estivas e cereais, se meteu com farmácia. Enfim, tudo isso é para deixar claro que esse universo farmacêutico me é muito familiar... E mais familiar ainda, são os ALMANAQUES DE PHARMÁCIA que meu avô colecionou durante anos. Lembro que ao se aproximar o mês de dezembro (período em que começava a ser distribuído os referidos almanaques), o meu avô Albino sempre organizava sua coleção para que os novos números que estavam por vir, se encaixassem bem d-i-r-e-i-t-i-n-h-o. E todo final de ano era o mesmo ritual: Trocar as caixas de papelão, colocar plásticos novos e colocar remédio anti-traça e naftalina em tuuuuudo. Eu e meu irmão ficávamos horas vendo todos aqueles Almanaques: Almanaque Sadol, Almanaque do Licor de Cacau Xavier, Almanaque Dr. Schilling, Almanaque d’A Saúde da Mulher, Almanaque Bristol, Almanaque Capivarol, Almanaque Bayer, Almanaque Cabeça de Leão, Almanaque Catedral, Almanaque Silva Araújo, Almanaque do Colírio Moura Brasil, Almanaque Elixir Brasil, Almanaque Elo Nosso, Almanaque Guaraína, Almanaque de Ross, Almanaque Silveira e o mais conhecido de todos: O Almanaque Biotônico Fontoura. O mais engraçado é que o meu avô lia para nós – sempre - as mesmas piadas, as mesmas adivinhações, as mesmas histórias e assim terminávamos por decorar um montão de coisas. Na minha cabeça, aqueles caderninhos eram poderosos e sabiam de tudo mês-mo! Aprendi nos Almanaques do meu avô que "a unha da mão cresce 04 vezes mais do que a unha do pé"; "que o músculo mais forte do ser humano é a língua"; "que alguns insetos vivem até um ano sem a própria cabeça" (Já imaginou uma muriçoca descabeçada?)... Aprendi à toa, é verdade. Mas o importante é que um dia eu soube que fiquei sabendo de algo que hoje não me serve pra nada (rs!)... Enfim, a tão famosa! A tão criticada! E tão perseguida "Literatura de Almanaque". Acho uma bobagem criticar a literatura popular dos Almanaques!!! Meu avô lia Sartre, literatura de cordel, gibis do tin-tin, almanaques e, sempre foi culto. Se por um lado o almanaque nos ensinou um montão de coisas fúteis, ele ensinou também novos hábitos de higiene, saúde e beleza. E de acordo com o historiador, Mario Luiz Gomes, em seu artigo científico: "Vendendo saúde! Revisitando os Antigos Almanaques de Farmácia", disponibilizado no site http://www.scielo.br, nos revela que os antigos almanaques de farmácia foram capazes de criar novos padrões de comportamento, usos e costumes. E outra coisa, alimentou histórias fantásticas de "enormes lombrigas" dentro de nós... Meu Deus!!! Morria de medo de pegar "amarelão" e terminar igual ao Jeca Tatu... Enfim, o Almanaque de Pharmácia fez parte da vida de muita gente. Fez parte de um tempo em que para tudo havia uma solução: Bastávamos seguir - a risca - o que dizia o almanaque, e pronto! Estávamos salvos.... Hoje nem os almanaques e nem o Brasil apontam tantas soluções assim e as farmácias também não são mais as mesmas. Elas estão hoje mais para as vaidades do que para as enfermidades humanas. Lembro que na farmácia de meu pai, entrava gente passando mal, desmaiando (revirando os olhos, dando birôlas e passamentos), menino chorando com braço quebrado, vomitando e se "obrando todim". Gente pintada de merthiolate, com gaze, algodão e esparadrapo espalhados pelo corpo, gente mancando, puxando uma perna, medindo febre com termômetro debaixo do sovaco, tirando pressão, pedindo fiado, comprando cachete, tomando soro na veia ou fazendo sei lá mais o que... E aquela cliente que vinha da zona rural (sítio goiabeira), freguesa antiiiiiiga com saia na canela e que todo mês vinha tomar injeção na... No músculo glúteo? E aquele cheiro de remédio? E o banco de madeira para jogar conversa fora ou recuperar os sentidos depois de uma Benzetacil mal aplicada? Na época não havia hospital na minha cidade, primeiro se passava na Pharmácia e depois é que se ia para um posto de saúde. Os fregueses que hoje freqüentam e/ou "passeiam" por uma farmácia, dão a impressão de que não precisam de absolutamente nada, que estão esbanjando saúde. Atualmente se entra numa pharmácia para comprar revistas, cartão telefônico e "jujubas"... No máximo, se compra uma camisinha. Geeeente! Onde está o clima das Pharmácias de antigamente? Até as balconistas tem cara de "aeromoças amestradas". Dá vontade de tirar uma sarro da cara delas e perguntar: Ô moça! Já chegou o Almanaque de 2009 do Biotônico Fontoura? E o do Capivarol? O queeeeee!!!! Como assim? Nem o do Elixir de Inhame chegou? Num acredito... Então tá! Diga pro seu gerente meu amor, que esta farmácia está incompleta e eu não volto mais aqui! Passar bem, meu bem... Dou as costas e pronto.
E para você que não sabe do que eu estou falando, explico: O Almanaque de Pharmácia era um livreto publicado anual e/ou mensalmente, dependendo do laboratório farmacêutico que o patrocinava e de sua estratégia publicitária. Tinha um formato de mais ou menos 13x18 e os textos e as ilustrações eram impressas em papel de segunda, bem “póbi” mesmo. Esses “livretos do saber” eram distribuídos gratuitamente pelas empresas e laboratórios em grandes tiragens, fazendo com que seus exemplares chegassem às Pharmácias e regiões mais distantes do país. Suas páginas continham piadas, charadas, calendários, fases da lua, dicas de saúde, receitas culinárias, cartas melodramáticas, jogo dos sete erros, caça palavras, calendário agrícola, horóscopo, santos do dia, histórias diversas, datas importantes e comemorativas, textos poéticos (contos, poesias, crônicas) e claro, PROPAGANDAS DOS REMÉDIOS. Nos Almanaques de Pharmácia você encontrava de tudo um pouco.Tinha para todos os tipos e para todos os gostos. Eles podiam ser ao mesmo tempo úteis, fúteis, tradicionais, modernos... Ou tudo isso junto! Me parece que o objetivo maior era o de responder sempre a todas as perguntas e curiosidades.
O Almanaque Biotônico Fontoura, lançado em 1920, foi criado (elaborado e ilustrado) por ninguém menos que Monteiro Lobato! Ele criou nas suas páginas o folclórico personagem Jeca Tatu, o caipira que fez tanto sucesso que apareceu também nos seus livros infantis.
"Numa casa de sapé
Um remédio receitou
E lhe disse: meu amigo,
A figura da mulher ao lado, segurando e/ou exibindo um frasco de Biotônico Fontoura era uma constante nas capas desse Almanaque. Pessoas de destaque no meio artistico figuraram nas capas do Almanaque Biotônico Fontoura.
Ainda segundo Mário Luiz Gomes, os Almanaques foram desaparecendo à medida que se sofisticavam as técnicas de propaganda e marketing. E dos milhões de exemplares lançados pelo Brasil afora, poucos restam. Representam, atualmente, testemunhos insubstituíveis de época, e um patrimônio comum a toda nossa indústria farmacêutica.
No Brasil - em 1887 - o Almanaque Pharol da Medicina, elaborado com o patrocínio da Drogaria Granado do Rio de Janeiro, juntamente como Almanaque do Dr. Ross – 1891 – criado para divulgação aqui no Brasil, foram os modelos pioneiros dos almanaques de farmácia. As pílulas de Vida do Dr. Ross, amplamente divulgadas pela propaganda radiofônica, bem como o Sabonete Ross, Talco Ross, Pasta Dentifrícia Ross, Quinina de Ross, entre outros... Eram presença constante nas páginas desse pioneiro Almanaque.
E a quantidade de remédios esquisitos que apareciam nos Almanaques: Asardol, Phosphol, Hespiza, Sinolina, Gonolina, Becolino, Vermífugo Kraemer, Eczemol, Jalapa Composta, entre outros... Na verdade, eu adorava esses nomes esquisitos e diferentes. Quanto mais difícil era o nome, mas eu gostava. Decorava tuuuudo!!. E na maioria das vezes nem sabia o significado. O importante na época, era falar bonito. Foi no Almanaque Catedral que li pela primeira vez, aos oito anos de idade, a palavra Gonorréia. Li também que para curar a Gonorréia era preciso injetar uma substancia chamada "Gonolina". E como eu lia tudo e todos os Almanaques da coleção de meu avô, pouco me importava se o ano era 1940 ou 1974 ... Eu queria mesmo era ler e aprender. Daí certa vez eu disse para minha avó:
- Ôxe! Como assim?
- É que eu tô com Gonorréia!! E é das “brabas”, viu...
- O queeeeee!!! Ai meu Deus...
- Besteira vó, eu li que na terceira aplicação os sintomas da gonorréia desaparecem...
- MEU FILHO !!! Você ainda nem completou nove anos...
- Eu sei vó... Mas não precisa se preocupar não! É só uma gonorréizinha de nada...
-Pelo AMOR DE CRISTO JESUS!!! É por isso que você tá amarelo desse jeito...O que foi que você andou fazendo? HEIN!!! Me diga logo... Vou mandar chamar o seu Pai, AGORA!!!!
- Ôxente vó? Pra quê chamar meu pai?
-Pra lhe dá uma SURRA BOA! Porque eu não tenho coragem de bater em neto doente. Ainda mais com uma doença dessas...
- Vóóó!!! Ave Maria... Que foi que eu fiz???
-Você ainda pergunta é!!! Você ainda Pergunta?
- Eu juro! Eu juro! Dessa vez eu não fiz nada ... Só estou com desinteria! E a senhora ainda quer mandar me bater.....
- Ãh????